A espantalha Hortilda como fruto da integração entre escola e universidade pública

Inspirada por princípios de reaproveitamento e sustentabilidade, a primeira prática, no processo de concepção e construção da espantalha Hortilda, ocorreu junto aos estudantes do 1º ano, em 2021. A estrutura da espantalha Hortilda foi montada com canos de PVC, uma bola de basquete furada, garrafas PET, roupas doadas pela comunidade escolar por meio do bazar da escola e elementos da natureza coletados no pátio. A professora regente da turma, Ana Paula Calmon, incentivou pesquisas, e os estudantes descobriram que, embora existam espantalhas e espantalhos em diferentes partes do mundo, na língua portuguesa o termo é tradicionalmente usado apenas no gênero masculino.

No dia em que construímos a Hortilda, recebemos a visita do Secretário Municipal de Educação na horta pedagógica do GET Pedro Ernesto. Fotografia: Yllas (2021)

Assim, durante o processo de construção coletiva, uma escolha simbólica foi fundamental: a espantalha seria uma mulher. A nomeação de Hortilda e sua identidade feminina foram decisões que buscaram valorizar a presença e o protagonismo das mulheres no campo e nas práticas agrícolas. Ao representar as mulheres na agricultura — muitas vezes invisibilizadas na história do trabalho rural —, Hortilda se tornou um símbolo de reconhecimento, justiça e representatividade de gênero. Assim, a espantalha passou a incorporar debates sobre equidade e o papel das mulheres na produção de alimentos e no cuidado com a terra, fomentando reflexões com as crianças desde os primeiros anos do ensino fundamental.


A atividade sensibilizou os estudantes do 2º ano para a valorização da beleza negra e da representatividade. Após a leitura, as crianças foram convidadas a ir até a horta para escolher papéis coloridos com virtudes mencionadas na obra. Esses papéis foram previamente preparados e afixados na roupa de Hortilda pelo professor da Sala de Leitura, Lázaro de Carvalho, e pela pesquisadora Yayenca Yllas. Cada criança retirou um papel e refletiu sobre a virtude recebida como um presente simbólico da espantalha. 

Crianças, junto ao professor da Sala de Leitura, retiram virtudes escondidas na roupa de Hortilda, em papéis coloridos, e refletem sobre o presente simbólico da espantalha. Fotografia: Yllas (2022)

Na etapa seguinte, as famílias participaram de uma roda de leitura do mesmo livro e, em seguida, da atividade de trançado coletivo dos cabelos de Hortilda, que envolveu lãs, fitas e gestos carregados de afeto. A prática entrelaçou histórias, memórias e valores, fortalecendo os vínculos entre escola e comunidade escolar e promovendo uma abordagem sensível e transversal para o enfrentamento do racismo e a valorização da cultura afro-brasileira.

Famílias da turma 1201, em 2022, participaram de uma roda de leitura do livro Com qual penteado eu vou? e de um trançado coletivo dos cabelos de Hortilda, com lãs e fitas, fortalecendo vínculos e valorizando a cultura afro-brasileira. Fotografia: Yllas (2022)

Em 2023, foram realizadas manutenções no cabelo e na roupa de Hortilda, com as turmas do 5º e do 2º ano. No final de 2023 e no primeiro bimestre de 2024, o vestido de Hortilda foi confeccionado com retalhos enviados pelas famílias dos estudantes, reforçando o caráter colaborativo e afetivo da proposta. As nove turmas participaram ativamente do processo de recolhimento e colagem dos tecidos, com o apoio das professoras regentes Sonia Santos, Patricia Teixeira, Célia Fernandez, Ana Paula Calmon, Caroline Barbosa, Paola Estruc, Maria Priscila de Jesus, Gabriella Gomes, Ana Paula Brum, Marilene Neves e Ana Lucia Machado; da professora articuladora Taciana Gatto; da coordenadora pedagógica Amanda Oliveira; e da pesquisadora Yayenca Yllas. A modelagem e costura do vestido foram orientados com carinho por Denise Oliveira, merendeira readaptada que abraçou a ideia com entusiasmo e generosidade, colocando suas mãos e saberes no sonho coletivo. O gesto de vestir Hortilda com retalhos vindos de diferentes lares transformou-se em um símbolo de afeto e união entre escola e comunidade escolar, valorizando os saberes cotidianos e o protagonismo de todas e todos que contribuíram para dar forma e sentido à espantalha.

Estudantes da turma 1501 costuram, no colaboratório Ernesteck do GET Pedro Ernesto, um vestido feito com retalhos trazidos de casa, sob orientação de Denise, merendeira readaptada. Fotografia: Yllas (2024)

O vestido foi colocado em Hortilda durante as celebrações do Dia do Meio Ambiente, em 2024, durante um evento que reuniu autoridades da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ), a comunidade escolar, docentes e crianças, fortalecendo ainda mais os laços e reafirmando o compromisso coletivo com a educação integral e a preservação da vida.

Direção, estudantes e pesquisadora junto à Hortilda, que veste criação coletiva das turmas no GET no Dia do Meio Ambiente de 2024. Fotografia: Alan Costa (2024)

Desde então, Hortilda tem se consolidado como um significativo recurso ecopedagógico na Escola Municipal GET Pedro Ernesto, fruto do trabalho coletivo entre a escola e a universidade pública. Nascida de escutas atentas, trocas de saberes e práticas compartilhadas, ela articula ações de educação ambiental, antirracista, de gênero, de valorização das expressões artísticas e culturais, além de fomentar o sentimento de pertencimento na comunidade escolar, como apresentado no artigo de Yllas, Tozato e Firmo (2023). Presente no cotidiano escolar, Hortilda inspira afeto, reflexão e ação transformadora, simbolizando a força da colaboração entre diferentes sujeitos e instituições na construção de uma educação mais democrática, crítica e sensível ao território.

Yayenca Yllas é uruguaia, naturalizada brasileira, e mora no Rio de Janeiro desde 2013. É doutoranda em Ciência, Tecnologia e Educação do CEFET/RJ, mestra em Tecnologia para o Desenvolvimento Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ/NIDES) e pedagoga formada pela Faculdade Única. Seu foco de trabalho está nas metodologias de ensino ativas, em conjunto com a ecopedagogia, visando promover uma educação crítica e científica. Por meio de suas atividades de pesquisa-ação, ela busca aplicar essas abordagens para aprimorar o currículo escolar e apoiar as políticas públicas voltadas para a Educação. O projeto “Horta Agroecológica como Tecnologia Social Educativa” foi finalista na 3ª edição do Prêmio LED –Luz na Educação, e recebeu certificação pelo Selo Social em 2023 e 2024.  Fotografia: Yllas (2024)

Elizabeth Mendes Pereira é diretora da Escola Municipal GET Pedro Ernesto, unidade escolar que atende ao primeiro segmento do Ensino Fundamental. Desde 2021, vem sendo desenvolvida, de forma coletiva, a construção de uma horta pedagógica em articulação com a pesquisa universitária. Em 2024, o projeto passou a contar com o apoio do Programa Hortas Cariocas, política pública do município do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, a escola recebeu o Selo ODS Educação 2024 — reconhecimento que destaca o compromisso com práticas pedagógicas sustentáveis e a consolidação de uma parceria efetiva entre escola e universidade — tornando-se a primeira unidade escolar do município e do estado do Rio de Janeiro a obter essa certificação. Em 2023, Elizabeth recebeu da Câmara Municipal do Rio de Janeiro a Menção Honrosa “Ao Mestre com Carinho”, em reconhecimento à sua trajetória dedicada e comprometida com a educação pública.
Fotografia: Yllas (2024)

Referências:
YLLAS, Yayenca Frachia. A HORTA AGROECOLÓGICA COMO TECNOLOGIA SOCIAL EDUCATIVA. Uma pesquisa-ação junto à Escola Municipal Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro. 368 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Tecnologia para o Desenvolvimento Social) – Núcleo Interdisciplinar para o Desenvolvimento Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, 2023. Disponível em: http://nides.ufrj.br/images/PPGTDS/Dissertacoes/Ano_2023_-_13_-_Dissertacao_-_Yayenca_Yllas.pdf Acesso em: 5 abr. 2025.

YLLAS, Yayenca et al. Contribuição do planejamento dialógico na construção de escolas democráticas rumo à cidadania planetária. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 105, n. 1, p. e5680, 4 abr. 2024. Disponível em: https://emaberto.inep.gov.br/ojs3/index.php/rbep/article/view/5680. Acesso em: 5 abr. 2025.

YLLAS, Yayenca; TOZATO, Heloisa ; FIRMO, Heloisa. DO ESPAÇO AO LUGAR: a horta escolar como elemento chave para o estímulo ao sentimento de pertencimento no ensino formal. Revista Espaço do Currículo, [S. l.], v. 16, n. 2, p. 1–16, 2023. DOI: 10.15687/rec.v16i2.67263. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/rec/article/view/67263 . Acesso em: 5 abr. 2025.

Mais informações sobre o projeto:

https://linktr.ee/yayenca

https://www.instagram.com/reel/C72KAM3J5bP/?utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==




Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *