Por que precisamos falar sobre o oceano nas escolas?
Embora os oceanos cubram mais de 70% da superfície da Terra e sejam fundamentais para a regulação climática e a manutenção da vida, ainda são pouco explorados como tema nos currículos escolares e nas práticas pedagógicas brasileiras. Além disso, os ambientes marinhos são muitas vezes percebidos como distantes da realidade cotidiana, quando na verdade sua saúde está diretamente conectada à nossa.
A influência do oceano ultrapassa os limites da biologia: ele molda economias, afeta relações geopolíticas, interfere em dinâmicas socioculturais e impulsiona descobertas científicas. Em um mundo em que as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade exigem respostas urgentes, tornar o oceano parte do debate educacional é uma necessidade.

É nesse cenário que nasce a cultura oceânica: um movimento global que propõe ampliar o conhecimento sobre os oceanos e valorizar sua importância vital para todos nós. Mais do que difundir conteúdos científicos, ela convida educadores, gestores e cidadãos a reconhecer a profunda interdependência entre os seres humanos e os ecossistemas marinhos. Conhecer os princípios da cultura oceânica é essencial para formar gerações capazes de tomar decisões conscientes e atuar pela preservação do planeta azul.
Os desafios ambientais e o papel da ciência
O ambiente marinho, que reúne ecossistemas dos mais vastos e essenciais do planeta, está entre os mais afetados pelas mudanças climáticas. Além do aquecimento global, os oceanos enfrentam pressões crescentes como a pesca predatória, a poluição por plásticos e a destruição acelerada de habitats naturais (ELFES et al., 2014).
Como resposta a esse cenário, a ONU lançou, em janeiro de 2021, a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021–2030). Conhecida como ‘Década do Oceano’, a iniciativa tem como objetivo mobilizar governos, instituições científicas, educadores e a sociedade civil para reverter o declínio da saúde dos oceanos e promover seu uso sustentável.
Entre seus pilares, destaca-se a promoção da cultura oceânica, que se integra com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (ODS 14) da Agenda 2030 da ONU, que visa conservar e utilizar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos. No Brasil, a Década do Oceano é vista como um exemplo concreto que pode elevar a qualidade do ensino ambiental e ampliar a participação cidadã nas decisões relacionadas à biodiversidade marinha.
Coordenada pela Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO, a iniciativa busca gerar conhecimento científico que apoie políticas públicas eficazes, com foco em temas como:
- Combate à poluição marinha;
- Restauração de ecossistemas costeiros e marinhos;
- Monitoramento e previsão de mudanças nos oceanos;
- Inclusão de comunidades locais e saberes tradicionais.
E uma novidade incrível: o Rio de Janeiro foi escolhido para sediar a terceira Conferência da Década do Oceano em 2027, reforçando o protagonismo do Brasil na agenda oceânica global.
Como está o Brasil nesse cenário?
De acordo com o Índice Global de Saúde dos Oceanos (Ocean Health Index – OHI), que avalia o estado dos mares em mais de 220 países e territórios costeiros, o Brasil ocupa a 70ª posição, com pontuação ligeiramente acima da média global. Esse resultado indica uma tendência de melhoria, mas ainda exige atenção contínua. Apesar dos avanços, o país enfrenta desafios significativos, como a poluição por plásticos, a degradação de ecossistemas costeiros e a sobrepesca.
Diante dos desafios identificados, diversas ações vêm sendo implementadas para fortalecer a cultura oceânica no Brasil. Um exemplo de destaque é o programa Escola Azul, que já impactou mais de 90 mil estudantes em todo o país. A iniciativa promove a integração do tema oceano nos currículos escolares, com atividades práticas, formações para professores e envolvimento das comunidades locais.
Além disso, em abril de 2025, o Brasil deu um passo histórico ao se tornar o primeiro país do mundo a incluir a Cultura Oceânica no currículo escolar, por meio de um Protocolo de Intenções assinado entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o Ministério da Educação (MEC) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), durante o Fórum Internacional Currículo Azul. Essa medida reforça o compromisso do país com a sustentabilidade e a formação de cidadãos conscientes sobre a importância dos oceanos para a vida no planeta.
Educação Ambiental Marinha (EAM): navegando rumo à preservação
A inserção do tema oceano em todos os espaços educativos, formais e não formais, tem o objetivo de difundir o conhecimento científico e sensibilizar a sociedade. No entanto, apesar da crescente valorização dos oceanos nos discursos ambientais, a Educação Ambiental Marinha (EAM) ainda enfrenta obstáculos para ocupar seu espaço nas práticas pedagógicas brasileiras.
De acordo com Fernandes (2017), o conhecimento da população sobre o oceano é bastante limitado, e a maioria das iniciativas de educação ambiental continua voltada exclusivamente para ecossistemas terrestres. Há ainda uma escassez significativa de pesquisas e práticas voltadas à Educação Ambiental Marinha (EAM) no Brasil e no mundo.
Essa lacuna também se reflete no ambiente escolar. Pesquisas como as de Romeiro et al. (2020) mostram que estudantes do ensino médio, inclusive de regiões litorâneas, têm dificuldade em identificar espécies marinhas e compreender os impactos ambientais nesses ecossistemas. Já o estudo de Franzolin et al. (2020), publicado na Revista Science Advances, destaca que, mesmo com menor acesso à informação, os estudantes brasileiros demonstram uma preocupação relativamente maior com a biodiversidade marinha, em comparação com jovens de outros países.
Esse descompasso entre interesse e conhecimento revela um enorme potencial a ser explorado. E é justamente para mudar a maré e fortalecer a presença da cultura oceânica na educação que vêm surgindo iniciativas e metodologias inovadoras, capazes de levar o oceano para dentro da sala de aula e formar uma geração com uma verdadeira cultura oceânica.
Iniciativas que estão fazendo a diferença
A seguir, conheça sete iniciativas inspiradoras que vêm reinventando a forma como o oceano é ensinado, sentido e vivido nas escolas, comunidades e espaços digitais.
1. Litorália – Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais
Criado por pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba, o jogo “Litorália” mergulha os estudantes no universo da biodiversidade marinha e da cultura oceânica. A dinâmica combina storytelling (referido como “contação de histórias”) e tomada de decisões ambientais, como no estilo Pokémon, incentivando os jogadores a explorar espécies costeiras e refletir sobre desafios como poluição e bioacumulação.
Destaque pedagógico: promove o protagonismo estudantil e conecta ciência, ludicidade e engajamento ambiental.

2. Ciência nas Redes – Podcasts e Comunicação Digital
A ciência oceânica também se fortalece nas mídias digitais, com podcasts e perfis no Instagram que aproximam o público da linguagem científica e das causas ambientais. Perfis como @labplancton_ufc, @universidadeazul.ufc, @missaooceano e os grupos da Década do Oceano promovem divulgação científica, oficinas e ações comunitárias, democratizando o conhecimento e ampliando o alcance da cultura oceânica no cotidiano.
Dicas de alguns podcasts que tratam do tema “oceano”:
3. Atividades Interativas e Museus Virtuais – Baía Viva no Espaço Ciência Viva
O Guia didático interativo e conteúdo digital inclusivo para a educação ambiental no museu virtual, disponível no portal do Espaço Ciência Viva, propõe uma imersão digital no ecossistema da Baía de Guanabara. Combina vídeos, jogos, cibermuseus e roteiros de investigação, com foco em poluição, biodiversidade e sociobiodiversidade.
Essa experiência, proposta pela pesquisadora Mariana Vallis (PPCTE-CEFET/RJ) como produto educacional de mestrado profissional, fomenta a cultura oceânica de forma acessível, interdisciplinar e sensível à realidade local, conectando ciência, tecnologia e engajamento social.

Acesse o guia completo aqui.
4. Projetos em Espaços Públicos e Comunidades – Projeto Corais (CE)
O Projeto Corais, do Cuca Ambiental (Fortaleza-CE), transforma praças, escolas e praias em salas de aula vivas. Com atividades como exposições itinerantes, limpezas de praia e teatro de fantoches, promove a cidadania ambiental em comunidades periféricas, despertando um senso de pertencimento e cuidado com ecossistemas costeiros. De acordo com Silva e Silva (2023), o projeto tem se mostrado eficaz na democratização do acesso ao conhecimento sobre biodiversidade marinha e na formação de agentes locais conscientes.
5. Escola do Mar – Ensino ao Ar Livre e Aulas Embarcadas
Implantado na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (SC), o projeto Escola do Mar busca criar um centro de educação ambiental para atividades práticas e teóricas sobre ambientes costeiros e marítimos. As ações incluem trilhas ecológicas e aulas embarcadas, permitindo uma imersão real nos ecossistemas locais (Da Silva, 2025).
6. Formação de Redes Escolares – Programa Escola Azul Brasil
Inspirado em uma iniciativa portuguesa, o Programa Escola Azul Brasil foi lançado no Brasil em 2021, em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e a UNESCO. Ele reconhece e orienta escolas que trabalham com temas ligados ao mar de forma transversal e interdisciplinar. Cada escola participante propõe, em um período de dois anos, como o tema oceano será incorporado ao currículo de forma integrada, envolvendo diferentes disciplinas e etapas de ensino. Como explica Ronaldo Christofoletti, membro do Comitê Assessor de Comunicação para a Década do Oceano da UNESCO, “a ideia é deixar que as escolas decidam os temas que querem tratar e os formatos de se fazer, respeitando suas realidades e potências”.
7. Programa Maré de Ciência – Santos (SP)
O Maré de Ciência é um programa de extensão universitária que tem como objetivo fortalecer a cultura oceânica no Brasil por meio de ações educativas, colaborativas e comunicativas voltadas para diferentes públicos. A proposta do programa é formar uma comunidade engajada com os valores da cultura oceânica, mobilizando professores, estudantes e gestores para pensar o oceano de forma interconectada, crítica e sustentável (Barata, 2021).
Entre suas principais frentes de atuação, destacam-se: o I Fórum Brasileiro de Jovens Embaixadores do Oceano, reunindo estudantes de diversas regiões para debater propostas e práticas em defesa do oceano; fóruns, oficinas, campanhas digitais e produção de materiais didáticos. Entre os destaques, está o kit pedagógico “Cultura Oceânica para Todos”, desenvolvido pela UNESCO, traduzido pela equipe e acessível online. No site oficial do programa Maré de Ciência, é possível acessar todos os materiais produzidos, conhecer os projetos em andamento e se inspirar com ações que conectam educação, ciência e engajamento social.

Acesse a cartilha “5 passos para incentivar a cultura oceânica nas escolas”,
“A cultura oceânica é muito mais que conteúdo escolar, é uma mudança de olhar sobre o planeta. A maré da ciência está alta, e é hora de remar juntos por um futuro mais azul, justo e sustentável”. Vallis, Mariana 2025.
Autora: Mariana Vallis (Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Educação – PPCTE/CEFET-RJ). Contato: vallismariana@gmail.com
Referências Bibliográficas
BARATA, Germana. Maré de informação para promover a cultura oceânica. Ciência e Cultura, v. 73, n. 2, p. 16-18, 2021.
DA SILVA, Hugo Juliano Hermógenes. Educação Ambiental marinho-costeira: experiências da Escola do Mar, Florianópolis (SC). Revista Brasileira de Educação Ambiental (RevBEA), v. 20, n. 1, p. 445-460, 2025.
DE MIRANDA, Gabriel Ponciano; BECKER, Valdecir; BEZERRA, Ed Porto. Difundindo a cultura oceânica através da aprendizagem baseada em jogos digitais. Informática na educação: teoria & prática, v. 25, n. 1, p. 87-105, 2022.
ELFES, Cristiane T.; LONGO, Catherine; HALPERN, Benjamin S.; HARDY, Darren; SCARBOROUGH, Courtney; BEST, Benjamin D.; PINHEIRO, Tiago; DUTRA, Guilherme F. A regional-scale ocean health index for Brazil. PLoS ONE, [S. l.], v. 9, n. 4, 2014.
FERNANDES, Iara Grigoletto; GOMES, Amanda Alves; LAPORTA, José Luís. Educação ambiental marinha na reserva de desenvolvimento sustentável barra do Una, Peruíbe (SP). Revista Brasileira de Educação Ambiental (RevBEA), v. 12, n. 1, p. 177-194, 2017.
FRANZOLIN, Fernanda; GARCIA, Paulo S.; BIZZO, Nelio. Amazon conservation and students’ interests for biodiversity: The need to boost science education in Brazil. Science Advances, v. 6, n. 35, p. eabb0110, 2020.
Índice de Saúde do Oceano. Avaliação global do Índice de Saúde dos Oceanos 2023. Centro Nacional de Análise e Síntese Ecológica, ohi-global v2023.1, Universidade da Califórnia, Santa Bárbara, 2023. Disponível em: https://github.com/OHI-Science/ohi-global
ROMEIRO, Dalvan Henrique Luiz; SILVA, Clécio Danilo Dias Da; CAVALCANTE, BrayanPaiva; SANTOS, Daniele Bezerra Dos. Percepção ambiental de estudantes de comunidades litorâneas e metropolitanas sobre o Ambiente Marinho e sua conservação. Nature and Conservation, [S. l.], v. 13, n. 4, 2020.
SILVA, Yasmin de Holanda; SILVA, Isabella de Holanda. Cultura oceânica para todos: metodologias para trabalhar a educação ambiental marinha em espaços públicos. Revista Multidisciplinar de Educação e Meio Ambiente, v. 4, n. 3, 2023. ISSN 2675-813X. DOI: 10.51189/coneamb2023/20008.
UNESCO – Intergovernmental Oceanographic Commission. Ocean literacy within the United Nations Decade of Ocean Science for Sustainable development: a framework for action, 2021. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000377708?posInSet=10&queryId=93788866-6540-4520-9b91-d41b0e37526d