“Eu peço que todo mundo descontrua tudo aquilo que vocês sabem sobre povos indígenas. (…) As pessoas que pensam em Amazônia (…) pensam em um grande tapete verde de floresta. Não é só um tapete verde, não é só floresta. Existem pessoas ali. Existem povos ali. (…) A gente se sente pertencente no território, como uma extensão. Então, todas as vezes que tem desmatamento, queimada, garimpo ilegal, caça e pesca ilegal, tráfico humano, de drogas e tráfico de animais dentro do território é como se estivesse acontecendo com o nosso corpo.”
A fala da líder indígena Sam Saterê-Mawé sintetiza, em poucos minutos, 524 anos de extermínio, descaso e sofrimento dos povos originários do Brasil.
E, apesar da segregação a que foram submetidos ao longo de todo este tempo, Sam tem uma fala que acolhe e convida à parceria para proteger o bioma que ela é e onde habita:
“Existem ribeirinhos, comunidades quilombolas, povos indígenas, unidades de conservação, terras indígenas e que também precisam participar enquanto agentes ativos dessa preservação, da transformação e de tudo o que envolve o nosso bioma. A gente vai lá e protege, mas a gente precisa da ajuda de vocês.”
Abril é conhecido como o mês da resistência indígena. E o dia 19, conhecido, até muito pouco tempo, como “dia do índio”, passou a se chamar, desde 2022, “dia da resistência indígena”. A contribuição dos povos originários e toda a sua pluralidade vêm ganhando espaço. São, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 1,6 milhão de pessoas. A diversidade de povos e línguas é imensa: de acordo com dados do Instituto Socioambiental (ISA), resistem, no Brasil, cerca de 266 povos falando mais de 160 línguas. Muitos deles vão estar reunidos em Brasília, de 22 a 26 deste mês, no Acampamento Terra Livre, que completa 20 anos em 2024. Entre os desafios a enfrentar, está o marco temporal, que representa o perigo de destruição dos povos indígenas e dos biomas que eles protegem.
Antigas e novas lideranças
O cacique Raoni, uma das lideranças mais respeitadas por todos os povos e que subiu a rampa do Palácio do Planalto na posse do presidente Lula em 2022, aos 92 anos, inspira gerações de indígenas. É também neste mês que Ailton Krenak, que pintou o rosto em uma sessão da Assembleia Constituinte para protestar contra o retrocesso dos direitos dos povos indígenas em 1987, assume a cadeira número 5 da Academia Brasileira de Letras.
Aos 70 anos, o primeiro indígena imortal – segundo nossos parâmetros – tem contribuído para pensar o planeta e nosso futuro por meio de livros como “Ideias para adiar o fim do mundo” (2019), “Futuro ancestral” (2022), “Amanhã não está à venda”, “A vida não é útil”, ambos de 2020. Ano passado, o também escritor Daniel Munduruku trouxe mais elementos das culturas indígenas para o público ao atuar como o pajé Jurecê na telenovela “Terra e Paixão”, das organizações Globo.
Mulheres e meninas indígenas também vêm demonstrando sua força e sua potência. Sonia Guajajara, aos 50 anos, ocupa o cargo de ministra dos povos indígenas. A primeira escritora indígena do Brasil, Eliane Potiguara, agora com 73 anos, abriu caminho para gerações como a de Sonia e para as ainda mais jovens, que usam a tecnologia para se expressar e produzir conteúdo sobre as culturas indígenas e se posicionar politicamente diante dos acontecimentos. A própria Sam Saterê-Mawé, bióloga, que está grávida e espera a chegada do bebê Wynoã, Vanessa Neres, comunicadora e pertencente ao povo Kaingang, a ativista ambiental Beka Munduruku, conhecida como a Greta Thunberg da Amazônia, Txai Suruí, única indígena e brasileira a discursar na COP-26, além de coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, Joenia Wapichana… São muitas essas mulheres e meninas bioma que nos trazem, ao mesmo tempo, esperança e consciência da necessidade de agir pelo planeta e por todos/as.
Em janeiro de 2024, o documentário “O Território”, sobre a luta dos indígenas Uru-Eu-Wau-Wau, recebeu o prêmio Emmy, na categoria mérito excepcional na produção de documentários, fazendo chegar ainda mais longe a luta dos povos indígenas. Em tempos de aquecimento global e emergência climática, a voz dos povos originários ecoa em nós. E eles nos pedem ajuda. O que vamos fazer?
Para refletir (sozinho/a e com as suas turmas): O que conheço e que visão/ões tenho dos povos originários do Brasil? Conheço seus representantes, o que defendem e um pouco da sua cosmovisão? O que sei sobre o marco temporal? Como integrar os saberes indígenas às práticas em sala de aula?
Texto: Fernanda Veneu
Imagens: Pixabay
Tukumã Pataxó – @tukuma_pataxo
Txai Suruí – @txaisurui
Vanessa Neres – @vanessa_fe_ha
Documentários
A luta do povo Karipuna para não desaparecer na Amazônia (2023)
12 episódios. DW Brasil. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=UBwkmQhoIIQ
Brasil Tupinambá (2022)
Direção: Celene Fonseca. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=IbQctosjaC4
Falas da Terra (2021)
Direção: Antônia Prado. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=repPmoz8ozQ
O Território (2022)
Direção: Alex Pritz. Disponível em Disney +